O
mundo complexo, estimulante e cheio de cores e conflitos de Killjoys está de volta para uma terceira
temporada. Sem perder o fôlego nem nos dar muito tempo para processar as
surpreendentes voltas das últimas duas temporadas, o novo episódio da série já
corre para desenvolver recém-chegados e nos aproximar das consequências de um
mundo em guerra.
Apesar
de se sustentar numa audiência às vezes tímidas (mas pelo menos consistente) e
manter uma base de fãs nem sempre expressiva (mas pelo menos constante), Killjoys ainda carece de presença e
popularidade. Eu amo o desenvolvimento de trama que a série vem propondo nos
últimos dois anos, adoro a densidade e as camadas de seus personagens, me
encanto pela linha de dominós, o esquema de uma coisa leva a outra, que os
roteiristas desenvolvem um episódio após o outro. Com tanta qualidade visual e
de desenvolvimento, mesmo com um orçamento limitado para uma ficção científica,
Killjoys é a minha afeição número 1
das séries descompromissadas das curtas temporadas de meio de ano.
Na
trama, um futuro muito distante dá lugar as aventuras espaciais de um trio de
caçadores de recompensas, que cumprem mandatos para os benefícios da lei
(embora ajam frequentemente acima dela) e de uma poderosa corporação que
governa os interesses do Quadrante, um agrupamento de classes e planetas.
Esse
texto não é uma análise cínica e técnica, é amor sincero e todas as minhas
tentativas de convencer vocês a darem uma chance a um dos meus acertos
preferidos da inconstante e nem sempre confiável emissora Syfy. Cola em mim e
vem se apaixonar pela política corrupta e desigual do futuro das explorações e
colônias espaciais da humanidade. Bem-vindos ao mundo de Killjoys.

Desenvolvendo personagens, explicando suas
razões e nos fazendo torcer pelo carisma de cada um: Killjoys abre
suas aventuras com um trio carismático de protagonistas, cuja dinâmica bizarra
de amor, ódio, mágoa, fraternidade, parceria e amizade consegue flertar e
percorrer facilmente entre traços de comédia e dramas mais profundos, sem nunca
perder a mão ou pesar demais para um dos lados. Killjoys é muito divertido quando decide ser leve. É muito
impactante também quando precisa nos apontar o ridículo do mundo lá fora. Dutch
(Hannah John-Kamen), Johnny (Aaron Ashmore) e D’avin (Luke Macfarlane) além de
funcionarem como um grupo, também se desenvolvem muito adequadamente como
personagens individuais. Dutch é a líder da equipe (e isso aparece de forma
natural na história, sem nenhuma tensão de gênero que questione sua posição ou
autoridade, o que por si só já se constitui como uma qualidade para o roteiro).

Dutch
está no comando. Os homens sabem disso e não parecem se preocupar. Também não
parecem menos masculinos por isso), seu passado violento e misterioso nos
intriga desde o primeiro episódio. Ela foi treinada para ser forte e
implacável, para ser uma assassina e uma lutadora sem precedentes, mas nem a
carnificina e a violência tiraram dela os últimos vestígios de compaixão e
ética. A fiel amizade dela por Johnny é um dos pontos de equilíbrio de sua
personalidade.
Johnny
acumula uma série de arquétipos típicos das óperas espaciais em um personagem
só. Ele é meio que o piloto, meio que o alívio cômico, meio que o gênio
excêntrico apaixonado por tecnologia, meio que o garoto meio ingênuo que
acredita nos estereótipos das histórias em quadrinhos, meio que o herói
atormentado por responsabilidade e honra, meio que um algo a mais, que fecha
todas essas suas características num personagem que nos parece original.
D’avin
é o irmão mais velho de Johnny. Garoto problema da família, que traz marcas e
traumas de sua vida como combatente de guerra. D’avin tenta assumir o arquétipo
do herói machão, bom de papo, bom de mira, o bonitão corajoso que poderia estar
no comando, mas não na nave de Dutch. Só tenta. Por habilidade do roteiro, a
gente nunca se engana e sabe que tem algo a mais, esperando a narrativa avançar
para sair dali.
Além
deles, uma série de coadjuvantes carismáticos vão sendo jogados pela história,
pouco a pouco se tornando relevantes para o andamento da trama. Alvis, monge da
religião dominante do Quadrante, Pree, o barman de um planeta meio sucateado,
habitado pelas classes mais baixas e mais pobres, Pawter, a filha renegada da
realeza, que procura redenção na medicina.

A trama quebra-cabeça não insiste em ser
boba nem didática: uma coisa que tive
que aprender a amar no jeito de Killjoys
contar sua história é que tudo sempre parece muito confuso antes de se encaixar
no final. A série começa com uma proposta procedural, do tipo caso da semana,
mas nenhum episódio é gratuito. Todo caso da semana acrescenta alguma outra
coisa a história principal, mas, no início, é difícil para gente perceber que
os detalhes importam. De modo que a história às vezes fica muito confusa antes
de fazer algum sentido real. Acrescente a isso o fato de que o roteiro não se
interessa por didática e nunca nos explica ou revisa os fatos. Você tem que
prestar atenção. As coisas são retomadas de uma temporada para a outra, com
pouquíssima reintrodução, mas sempre fazem sentido. Como se todos os desfechos
fossem encaixados e planejados desde o início (provavelmente são). Em suma,
Killjoys segue a máxima das boas narrativas: não diga, mostre.

O futuro nunca foi tão vibrante: eu amo Star Trek.
Acho revigorante e sempre necessário pensar que o futuro da humanidade é todo
aquele otimismo, tão próspero, tão cientificamente possível, tão amplo em
possibilidades e aceitação. Mas nem tudo podem ser flores. Em Killjoys, não são. As lindas cores da
fotografia, do espaço, do céu, das estrelas, dos mundos e constelações formam
uma composição tão bonita na tela. Duplamente interessante quando se contrasta
com a realidade desigual daquele universo. A explorações dos pobres e
desprovidos em benefício das regalias de uns poucos, separados pelo sangue,
arbitrariamente escolhidos pela biologia e mais nada. Mesmo que não exponha tão
claramente, o sistema de classes do Quadrante, também é uma analogia de
racismo, não especificamente sobre cor, mas sobre um contexto igualmente
discriminatório.
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Festa estranha com gente esquisita. |
Uma mitologia rica e detalhada: não sabemos o que aconteceu com a Terra. Acho que nem os
personagens sabem. Ao que tudo indica, a humanidade foi embora a muito tempo.
Como espectadores, tudo que nós conhecemos é o Quadrante e a misteriosa vida
mais além. O que houve conosco? Com os terráqueos? Com os antepassados da raça
humana? Até agora não foi um tema. Nisso a série parece ganhar ainda mais
dimensão. O mundo do Quadrante tem suas próprias culturas, suas formas de
adoração, sua vida profissional, seu sistema de castas, suas corporações, sua
forma de segregar os planetas, de criar vida em determinados lugares e pobreza
e degradação em outros. Por ser tão detalhado (e muitas vezes tão distantes do
que conhecemos), o mundo de Killjoys
ainda está sendo pouco a pouco apresentado. Sabemos muito pouco, mas o roteiro
consegue administrar o fluxo de informação de um jeito satisfatório.
Ser um Killjoy é empolgante: trabalhar para a lei, mas nem sempre lidar diretamente
com ela. Ter um código moral próprio. Viajar pelo espaço numa nave simpática e
cheia de opiniões. Formar uma família disfuncional, mas não menos afetivo ao
longo da jornada. As aventuras dos nossos protagonistas realmente nos divertem,
empolgam, têm carisma e nos desafiam a acompanhar a próxima volta. É como um Cowboy Bebop (para quem gosta de
referências japonesas), como um Doctor
Who mais contido e mais focado na temática espacial, com a leveza de Firefly, a diversão de Star Trek e a política complexa de Battlestar Galactica.
Killjoys
está de volta para sua terceira temporada. As duas temporadas anteriores
tiveram 10 episódios cada e podem ser encontradas na Netflix.